A CONTROVÉRSIA ACERCA DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE GANHO DE CAPITAL EM DOAÇÕES

  • Epac Contabilidade
  • 02/07/2024
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A CONTROVÉRSIA ACERCA DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE GANHO DE CAPITAL EM DOAÇÕES

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Fernando Telini

Advogado Sócio da Telini & Falk Advogados Associados, OAB/SC 15.727. Ex-conselheiro do Tribunal Administrativo Tributário de Santa Catarina; Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Mackenzie (SP) e pós-graduado em Direito Tributário e em Direito e Negócios Internacionais - ambos os cursos pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.

É comum que, para fins sucessórios, sejam doados bens em vida aos herdeiros, com o devido recolhimento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Contudo, a Receita Federal passou a autuar os doadores para que efetuem o recolhimento do Imposto de Renda sobre a diferença entre o valor declarado na última Declaração de IR e o valor constante na escritura pública de doação.

Os tribunais brasileiros vêm divergindo em relação à questão. Embora a própria lei apresente diversas inconsistências, o Supremo Tribunal Federal decidiu recentemente pela incidência, em dissonância à própria jurisprudência anterior.

A Lei nº 7.713/1988, em seu artigo 22, inciso III, prevê que, na determinação do ganho de capital, serão excluídas "as doações em adiantamento da legítima". Ademais, doações são, por definição, um ato de liberalidade do doador, conforme dispõe o artigo 538 do Código Civil. Por ser um ato gratuito, a doação não constitui renda ou proventos e não gera disponibilidade econômica ou jurídica de renda. Na verdade, a doação representa uma diminuição patrimonial para o doador.

A Constituição Federal, em seu artigo 145, §1º, estabelece que os impostos devem ser "graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte". A cobrança do imposto de renda nesse caso desrespeita tal princípio da capacidade contributiva, pois não há ganho econômico real para o doador. Ainda, nos termos do artigo 155, I da Constituição, a doação está sujeita ao ITCMD. Assim, a cobrança de imposto de renda sobre ganho de capital em doações resulta em uma invasão de competência e em bitributação, visto que há cobrança de mais de um tributo sobre o mesmo fato gerador.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na Arguição de Inconstitucionalidade nº 2004.70.01.005114-0, concluiu que "não caracteriza acréscimo patrimonial a doação de ascendente para descendente com atualização dos valores dos bens declarados para valores de mercado".

Da mesma forma, o próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu pela não incidência na antecipação de legítima, o que ensejaria bitributação, conforme ARE nº 1.387.761, julgado em 22/02/2023. Porém, recentemente, no julgamento do RE 1.425.609 em 20/05/2024, o Supremo entendeu pela ausência de bitributação e pela validade da cobrança do Imposto de Renda sobre o ganho de capital no caso de doação. Nenhum dos julgados têm efeito vinculante, logo, não vinculam o Poder Judiciário, a Administração Tributária e os contribuintes, servindo apenas como precedentes.

Verifica-se, portanto, que há relevante divergência jurisprudencial acerca do tema, embora a tributação caracterize afronta a diversos princípios constitucionais. A judicialização é possível nos casos concretos, seja para prevenir autuações ou para defesa contra estas.