PLP 68/2024: LEGALIZAÇÃO DO PAGAMENTO INDEVIDO
Para além da discussão [1] sobre o alcance e a (in)aplicabilidade do artigo 166 [2] do Código Tributário Nacional (CTN) para os casos de restituição dos chamados tributos indiretos, o inciso I do artigo 37 do Projeto de Lei Complementar nº 68/24 (PLP 68), aprovado pela Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado, estabelece que em caso de pagamento indevido, a restituição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) "somente será devida ao contribuinte quando a operação não tiver gerado crédito para o adquirente dos bens ou serviços".
O artigo 165 do CTN dispõe que o sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, nos casos de: (1) cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; (2) erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; e (3) reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.
Nas lições do professor Paulo de Barros Carvalho [3], a norma de restituição dos tributos pode ser sintetizada da seguinte forma:
"Muitas vezes a importância recolhida a título de tributo é indevida, quer por exceder o montante da dívida real, quer por ter sido o crédito tributário desconstituído em virtude de estar em desacordo com o sistema pátrio. Nesse caso, assegura o ordenamento jurídico a devolução daquilo que o contribuinte pagou indebitamente. Fá-lo mediante norma geral e abstrata cuja hipótese descreve, em caráter conotativo, o pagamento indevido, prescrevendo, no consequente, uma relação jurídica obrigacional em que o Fisco ocupará o polo passivo, assumindo o dever de restituir o indébito, enquanto o contribuinte figurará como sujeito ativo, com o direito de exigir o cumprimento desta restituição. Diferentemente do que ocorre na obrigação tributária, o contribuinte é credor na relação ora examinada. O Fisco encontra-se no polo passivo do vínculo obrigacional, possuindo o dever de cumprir uma prestação pecuniária para com o contribuinte."
Ou seja, o pagamento indevido pode ser lido como aquela prestação feita de maneira excedente ao montante do tributo devido pelo sujeito passivo ou ainda em relação ao crédito tributário que posteriormente venha a ser desconstituído, dado a sua divergência com o ordenamento jurídico.
Impacto do dispositivo
Do exposto, em nossa leitura, temos que a redação atual do inciso I do artigo 37 do PLP 68 faz com que a restrição da restituição do IBS e da CBS apenas para situações que não tenham gerado crédito ao adquirente, elimina, praticamente, a grande parte das operações em que, potencialmente, essa situação venha a ocorrer.
Isso porque, caso seja esse o entendimento adotado, nos termos do artigo 51 e seguintes do PLP 68, todas as operações realizadas pelo sistema financeiro, abarcadas pelo split payment (ventilado pelas autoridades como a força motriz da reforma tributária, inclusive com impactos significativos na alíquota de referência) e que automaticamente terão uma parcela dos saldos direcionada ao Comitê Gestor, não poderiam gerar restituição, mesmo que os tributos tenham sido recolhidos de maneira indevida.
A lógica do split payment e da segregação dos valores com o Comitê Gestor acaba por sempre gerar um crédito ao adquirente: seja pelo pagamento do tributo pelo fornecedor em sua apuração corrente; seja pelo pagamento feito pelo adquirente.
Ainda, de maneira periférica à presente análise, cabe mencionar que recentemente a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no âmbito do Tema Repetitivo 1.191 [4], fixou a seguinte tese:
"Na sistemática da substituição tributária pra frente, em que o contribuinte substituído revende a mercadoria a preço menor do que a base de cálculo presumida para o recolhimento do tributo, é inaplicável a condição prevista no artigo 166 do CTN."
Paradigma
A despeito da diferença da lógica de cálculo e destaque do ICMS em relação ao IBS e a CBS, bem como do contexto constitucional em que cada um dos tributos está inserido, o racional aplicado pelo STJ no Tema 1.191 nos parece acertado, e pode ser utilizado como balizador ou paradigma em relação ao previsto no PLP 68 e a limitação contida no inciso I do artigo 37 do PLP 68.
Dessa forma, destacamos mais uma vez que dado o momento da discussão e a possibilidade de adequação do texto no âmbito legislativo, nos parece necessário acomodar uma metodologia de restituição do IBS e da CBS pagos indevidamente, mesmo com a utilização do split payment e com a figura do Comitê Gestor no gerenciamento dos débitos e créditos apurados neste modelo.