TERCEIRIZAÇÃO E PEJOTIZAÇÃO: OS LIMITES DO LEGÍTIMO NA NOVA PAUTA DO STF
Márcia Assumpção Lima Momm
Advogada, inscrita na OAB/SC sob nº 10.825, formada pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Doutoranda e Mestra em Direito Empresarial e Cidadania pelo UniCuritiba. Pós-graduada em Direitos Humanos e Direito Constitucional, Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pelo Ius Gentium Conimbrigae, Coimbra/Portugal; em Direito do Trabalho pela UNIVALI/Amatra 12; e em Gestão Estratégica de Planejamento Tributário pela UNESA. Sócia-diretora e Palestrante da ITC Cursos e Treinamentos.
O Supremo Tribunal Federal (STF) volta a ser protagonista em uma das pautas mais sensíveis para o mundo do trabalho: a terceirização. Após consolidar a licitude da terceirização, inclusive de atividade-fim, no julgamento do Tema 725 em 2018, com profundas repercussões na jurisprudência trabalhista e nas práticas empresariais, a Suprema Corte enfrenta agora a análise do Tema 1389, que discute a validade da contratação de trabalhadores por meio de pessoa jurídica (pejotização) ou contrato de franquia, e a possibilidade de fraude na relação de emprego.
Essa nova discussão recoloca em cena tensões já conhecidas: capital versus trabalho, livre iniciativa versus proteção social, formalização versus flexibilidade. A decisão a ser tomada pode não apenas reconfigurar as estratégias de gestão de pessoas nas empresas, mas também impactar diretamente a segurança jurídica conquistada a duras penas após a Reforma Trabalhista e os precedentes anteriores do próprio STF.
Da licitude da terceirização à controvérsia sobre a pejotização
A decisão de mérito proferida pelo STF no Tema 725 reconheceu, com repercussão geral, a validade da terceirização de qualquer etapa do processo produtivo, inclusive das atividades-fim, mesmo antes da Reforma Trabalhista de 2017. Essa orientação sinalizou a necessidade de revisão da jurisprudência consolidada do TST, que, por décadas, restringia a terceirização com base na Súmula nº 331. A compatibilização entre o julgado e os princípios constitucionais do art. 1º da Constituição Federal, notadamente os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, exigiu um reposicionamento das instâncias trabalhistas.
Essa guinada jurisprudencial teve impacto direto nas decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que somente em 2025 reconheceu formalmente, por meio da Resolução nº 225, a necessidade de revisar a Súmula nº 331. O marco simbólico dessa revisão que não elimina, no entanto, os riscos e responsabilidades que permanecem com a empresa contratante, sobretudo no tocante à responsabilidade subsidiária por créditos trabalhistas e à exigência de diligência no controle da legalidade das contratações.
Agora, o que está em julgamento no Tema 1389 extrapola o debate da terceirização tradicional e toca num ponto ainda mais delicado: a utilização de contratos com pessoas jurídicas (PJs) e franquias para mascarar relações de emprego. O risco, nesse caso, é que se banalize a contratação de PJs em atividades permanentes e subordinadas, sem garantias mínimas ao trabalhador e sem clareza jurídica para as empresas.
Os perigos para a gestão empresarial
A nova discussão traz sérios desafios para os gestores. A insegurança jurídica pode se intensificar em diversos cenários:
 Risco de passivo trabalhista: A validação indiscriminada de contratos com PJs ou franquias pode levar a julgamentos futuros que reconheçam o vínculo de emprego, mesmo com pareceres jurídicos e contratos bem elaborados, gerando alto custo com encargos retroativos e multas.
 Distorção da livre iniciativa: Empresas que atuam de boa-fé, buscando inovação nos modelos de contratação, podem ser penalizadas caso o Judiciário adote um entendimento mais restritivo, desconsiderando os critérios da autonomia, ausência de subordinação e pessoalidade.
 Concorrência desleal e reputacional: Organizações que cumprem rigorosamente a legislação laboral podem ser prejudicadas por aquelas que adotam práticas precarizantes, desequilibrando o ambiente concorrencial e colocando em risco sua imagem institucional frente a stakeholders e programas de integridade.
 Reversão de estratégias pós-Reforma: A depender do alcance da decisão do STF no Tema 1389, pode haver necessidade de revisar contratos, reestruturar departamentos e modificar a lógica de alocação de mão de obra, o que representa não apenas impacto jurídico, mas também econômico e operacional.
A urgência do compliance trabalhista
Diante de um cenário instável, as empresas devem investir ainda mais em programas de compliance trabalhista e na due diligence de terceiros. A análise dos contratos sob a ótica da efetiva prestação de serviços, o controle da subordinação, a não pessoalidade e a autonomia técnica e gerencial devem ser reforçados. Mais do que seguir modelos formais, é necessário garantir que a realidade da prestação dos serviços não configure fraude ao vínculo empregatício.
Também é recomendável que, enquanto não se forma maioria no STF, os gestores adotem uma postura conservadora: evitem generalizações na contratação de PJs, revisem cláusulas de contratos e reforcem a capacitação de suas equipes jurídicas e de RH. Afinal, o custo da imprudência pode ser altíssimo.
Conclusão: o desafio de conciliar inovação e proteção
O julgamento do Tema 1389 é mais do que uma nova etapa na discussão sobre a terceirização: é um termômetro da disposição do STF em estabelecer limites ao uso da liberdade contratual para mascarar relações de emprego. Empresas que desejam inovar em seus modelos de negócio devem fazê-lo com responsabilidade social e jurídica, sem atropelar os princípios constitucionais que ainda sustentam o Direito do Trabalho no Brasil.
O desafio é compatibilizar flexibilidade e proteção, livre iniciativa e dignidade humana. A resposta do STF será decisiva para o futuro das relações laborais no país. Até lá, cabe às empresas agirem com cautela, inteligência jurídica e respeito à Constituição.
                        